A Causa Do Acidente(relato)
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A Causa Do Acidente

Quase não deu para ver. Fazendo uma curva brusca, o carro foi se aproximando do poste e houve a batida. Um estrondo, e o que sobrou depois foi uma lataria muito amassada. Apesar de ser tarde da noite, alguém passava na hora e usou o celular para pedir ajuda. Logo chegou o Samu e os socorristas conseguiam tirar Alex de dentro do carro. Estava machucado - uma perna e algumas costelas quebradas, rosto ferido - mas iria se recuperar. Talvez não se recuperasse do que viu poucos segundos antes do acidente. Então, vamos voltar no tempo. Às dez da noite daquele quinze de março, Alex saiu de casa para tirar da cabeça memórias que o torturavam. Lembrava do sorriso de Júlia. Dentes brancos, boca de lábios fininhos. Também recordava bem dos olhos dela, verdes e expressivos. Ainda podia sentir o perfume que namorada sempre usava - um pouco doce demais. Se esticasse a mão, Alex tinha certeza que iria tocar os cabelos de Júlia; escuros, compridos e lisinhos. Era tanta saudade! Por que ele não poderia mais vê-la? Começaram a namorar um ano antes, justamente num quinze de março. Alex não era romântico, mas como foi bom aquele beijo! Dai em diante, quase não se desgrudavam. Saiam sempre. Cinema, sorvete, festa, barzinho, show, carnaval; quando dava, ficavam os dois, sozinhos, num lugarzinho discreto. Alex era calado e gostava de ouvir Júlia falar. Ela falava do futuro. Estava terminando a faculdade e já trabalhava. Sonhava comprar um carro - "para não depender de você para ir a todos os cantos", dizia. Também falava em noivado, em trocar alianças. E Alex sempre calado.

Pois foi dito e feito: antes de noivar, Júlia comprou um carro. Um Fusca ano 80, tá certo. Mas era um "automóvel", de acordo com o documento do Detran. Serviria para ir, à noite, para a faculdade que ficava em Olinda. Ela morava no Recife. Quando entrou com o carrinho pela primeira vez na Avenida Agamenon Magalhães - a principal via entre as duas cidades - Júlia se sentia poderosa. Nada mais de espera nas paradas. E ônibus lotado, nem pensar. A ida até a faculdade foi ótima, apesar da chateação para estacionar. A volta foi bem mais tarde, por causa da apresentação de um trabalho na última aula. Saiu às onze horas. Pouco minutos depois, já estava na Agamenon Magalhães. Viu um sinal ficando amarelo, mas decidiu não parar. Uma mocinha de carro, parada num cruzamento deserto: é tudo o que querem os assaltantes. Por isso, passou o sinal vermelho. Não deve ter nem sentido quando a carreta que vinha do outro lado bateu no Fusca. Júlia morreu na hora. Alex ficou ao lado do corpo durante todo o velório. Na hora do enterro, não chorou. Permaneceu quase em silêncio nos três meses seguintes. Por que não poderia mais ver o sorriso de Júlia? Era constante um nó no peito. Naquele quinze de março, quase sucumbiu à dor. À noite, foi de carro para Olinda, onde iria encontrar uns amigos. O papo até que estava legal; Alex, não. Saiu do barzinho quando a farra começava a esquentar, às onze horas.

Na Agamenon Magalhães, chorou pela primeira vez depois da morte de Júlia. Por que não podia mais sentir o perfume dela? Chorava e dirigia. E quanto mais lágrimas caíam, mais o pé ficava pesado no acelerador. Viu um sinal vermelho, mas nem pensou que deveria parar. Foi quando os faróis do carro iluminaram uma moça em pé no meio da pista, bem no seu caminho. Cabelos escuros, longos e lisos. Sorriso de lábios finos e dentes alvos. Grandes olhos verdes. Era Júlia! Mas como? Alex puxou o carro para o lado e freou. Foi direto para o poste. Antes de desmaiar, ele ainda viu Júlia acenando, do meio da avenida. Alex acordou no carro Samu. Tentou se levantar e foi contido pelo socorrista.

- Júlia.. cadê Júlia?- Não tinha ninguém no carro com você, não, rapaz...- Ela tava na pista, quase bati nela!
- Foi por isso que jogou carro no poste, né? Essa pessoa a gente não viu, amigo. Mas te digo uma coisa: você estragou o carro, mas ainda teve muita sorte. O vigia de um posto de gasolina, aqui da avenida, viu tudo. Ele disse que se você não tivesse batido no poste ia se acabar na trombada com a carreta que vinha atravessando o cruzamento na maior velocidade...


Alex deitou-se novamente na maca. Sentia no ar o perfume um pouco doce demais que Júlia sempre usava.



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